Nota de repúdio e de esclarecimento à comunidade acadêmica em relação a palestra de abertura do Integra 2020

Postado por: Rodrigo Fioravante

O Instituto de Física da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (INFI – UFMS) vem através desta nota manifestar repúdio e preocupação perante a defesa de uma tese pseudocientífica que foi apresentada na palestra de Abertura do Evento Científico Integra UFMS 2020, com transmissão ao vivo pelo canal oficial da UFMS
Não queremos dar publicidade ao assunto, pois essa palestra causou grande insatisfação já sinalizada por representantes da comunidade acadêmica da UFMS, por diversos pesquisadores e por sociedades científicas, no Brasil e no exterior. No entanto, compreende-se que é nosso dever esclarecer alguns fatos e apresentar argumentos que evidenciam a pseudocientificidade presente na teoria do Design Inteligente (DI), apresentada na referida palestra, que foi proferida pelo Prof. Marcos Eberlin.

A teoria em questão, mostra-se incoerente com os métodos científicos e sem a devida validação da Ciência. A metodologia científica é basicamente composta por etapas de observação, análise da literatura, teste, publicação e crítica perene. De modo que todos os documentos publicados estão sujeitos a críticas, que devem ser realizadas com a utilização do método científico e de processos de validação. Neste contexto, o ônus da prova é do pesquisador que levanta a hipótese. Na teoria DI, o Prof. Eberlin comete graves erros conceituais ao falar de temas que fogem a sua área de atuação, como a origem do universo, a evolução estelar e da Terra, tecendo críticas às teorias publicadas e ininterruptamente discutidas, mundialmente, em processos de publicação avaliados ao longo das décadas. Sem citar referências, o professor tampouco sustenta suas teses a partir de evidências experimentais. E ao apresentar esses temas, sob uma lente de grosseria simplificação, o palestrante ignora completamente décadas de avanço em pesquisa nessas áreas que continuamente oferecem elucidações para os pontos levantados, portanto, o mesmo ignora extensa evidência quando lhe é conveniente.

De maneira similar, ao abordar a teoria evolutiva, o Prof. Eberlin se limita a apontar aquilo que denomina como falhas ou incongruências em aspectos pontuais da teoria. A presença de aspectos em desacordo com as teorias vigentes não só é parte integrante do trabalho científico, como é a mola motriz do seu progresso, levando cientistas a buscar novos fatos, mecanismos ou ideias que construam um arcabouço teórico mais robusto e com uma capacidade maior de explicar o mundo natural. Não somente, o Prof. Eberlin se furta novamente de citar pesquisa revisada por pares que possa elucidar as questões por ele levantadas, mas também ignora as pesquisas e as evidências que não lhe convém, assim, apresenta uma teoria de poder explicativo muito limitado. Em nenhum momento da palestra sobre a teoria do Design Inteligente, o professor oferece qualquer outra explicação além da criação da vida por um designer, que serviria como explicação última para todos os aspectos do desenvolvimento da vida que são atualmente desconhecidos. Sob esse paradigma, o avanço do conhecimento fica paralisado, impedido de evoluir, já que toda suposta falha na teoria da evolução tem uma explicação pronta e não falseável, o que nos furta do avanço explanatório que uma teoria como a evolução nos traria ao elucidar eventuais incongruências.

Outro ponto que chama a atenção é a completa ausência de publicações do autor sobre o tema da palestra. O currículo do palestrante não apresenta nenhuma publicação sobre a DI, em revistas revisadas por pares entre as numerosas publicações do palestrante. De fato, é bastante difícil encontrar qualquer publicação revisada por pares na área de DI. As referências bibliográficas da palestra proferida são livros traduzidos pelo palestrante e publicados por institutos dedicados à promoção do DI. Não há qualquer intenção aqui de tecer crítica a respeito da produção acadêmica do Prof. Eberlin, composta de publicações em revistas de alta fator de impacto na área de química, mas se deseja destacar, a ausência de referências revisadas por pares, no que diz respeito ao tema da palestra. Esse dado chocante, soa como um alerta vermelho, posto que, sendo um pesquisador tão produtivo em outras áreas, o mesmo é ciente do sistema de revisão por pares. Ou seja, apesar de ser plenamente familiar com o sistema de publicação de artigos científicos e de revisão por pares, o palestrante e outros proponentes do DI, em geral, sistematicamente se evadem de submeter suas evidências ao crivo dos pares, parte fundamental da metodologia científica. Dessa forma, o simples fato de redigirmos este documento já compõe uma inversão do ônus da prova, pois as teses apresentadas na palestra não foram submetidas ao processo de revisão a que qualquer ideia que se supõe científica deve obrigatoriamente se submeter.

Essas graves falhas metodológicas minam a credibilidade científica de teses como o DI, e levam diversas sociedades científicas no Brasil e no resto do mundo a repudiá-la como uma tese pseudocientífica, que procura revestir-se da credibilidade da ciência sem se submeter a seu muito rigoroso processo de avaliação. Por esses motivos se considera a palestra deletéria para qualquer formação científica acadêmica, sobretudo quando proferida em evento de reconhecida importância regional, sem contraponto, sem discussões.